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Voltar 26 de Abril de 2016

União na palma da mão

Pecuaristas discutem temas comuns em aplicativos de bate-papo no celular

 

As plataformas para troca de mensagens, áudios e vídeos pelo celular chegaram à pecuária e estão mudando a forma de relacionamento entre criadores, técnicos, consultores e demais integrantes da cadeia produtiva. Basta que o pecuarista tenha um celular do tipo smartphone, com conexão à internet, para baixar os aplicativos - entre os mais conhecidos estão o whatsapp e o telegrama - e passar a se comunicar em tempo real.

A facilidade de acesso e o manuseio, aliado à rapidez e privacidade - só participa quem é convidado - fazem dessas ferramentas o ambiente perfeito para a troca de informações estratégicas, que são compartilhadas em grupos de conversas de interesse comum. “Desta vez a gente consegue unir a classe”, brinca o pecuarista Oswaldo Furlan Filho, que iniciou um grupo para troca de mensagens instantâneas com cinco amigos há dois anos, e hoje já reúne mais de 230 pessoas - destes, pelo menos 200 são criadores que, juntos, representam um rebanho de aproximadamente 1 milhão de cabeças. Os demais são técnicos, consultores ou especialistas em assuntos relacionados à pecuária de corte. Ele afirma que não esperava que a iniciativa ganhasse tal magnitude, mas está muito entusiasmado. “Antes, a distância e a comunicação escassa dificultavam a estruturação de uma agenda comum. Mas agora tratamos de qualquer assunto num piscar de olhos”, diz o criador, que administra o GPB (Grupo Pecuária Brasil) com mãos de ferro: não são admitidos piadas, termos ofensivos ou assuntos paralelos. “O foco é o mercado e a gestão da pecuária de corte”, diz.

O proprietário do confinamento Chaparral, Sérgio Przepiorka, em Rancharia, noroeste de São Paulo, entrou no grupo em janeiro de 2016. “Tenho mais de 30 anos de pecuária e acho que agora encontramos uma ferramenta para revolucionar o mercado”, diz, ao lembrar que nunca foi comum um pecuarista ajudar o outro, por medo da concorrência ou pressão do frigorífico. O criador Honorato Rodrigues da Cunha, de Pompeia, oeste de São Paulo, também entrou recentemente no GPB. Ele acredita que esta é uma oportunidade importante para a mudança de postura do produtor. “Os frigoríficos são muito organizados e estamos nas mãos deles há anos. Com as informações que circulam no grupo, a relação com a indústria vai mudar”, acredita.

O GPB tem membros de todo o Brasil, mas a maioria está nos arredores de Bauru, município da região central de São Paulo. A proximidade geográfica permite a troca de dados estratégicos e até a negociação de produtos entre os criadores. Para manter este mesmo perfil, foram criados outros cinco grupos através do GPB, todos com as mesmas regras e sob a supervisão de Furlan: Abrapec, Turma da @, Boi do Norte, Grupo do Norte e Agrobrazil.

Somados, os grupos reúnem mais de 650 pessoas.

 

Aplicativos ganham espaço na cadeia da pecuária de corte

Grupo

Número de integrantes

Perfil

Como ingressar

 

GPB

 

235

Troca de informação entre pecuaristas

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Abrapec

 

102

 

Troca de informação entre pecuaristas

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Turma da @

 

117

 

Troca de informação entre pecuaristas

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Boi do Norte

 

170

 

Troca de informação entre pecuaristas

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Grupo do Norte

 

136

 

Troca de informação entre pecuaristas

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Agrobrazil

 

71

Informações exclusivas sobre o mercado do boi gordo

Ingresso a partir do pagamento de mensalidade

 

Agropecuária Goiânia

 

103

Troca de informação entre pecuaristas

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Beef Radar

 

150

Fórum de líderes do setor

Após avaliação de comissão

 

GPS

 

157

 

Informações sobre manejo da pastagem

Convite do administrador a partir de sugestão dos integrantes

 

Força e credibilidade

Com a troca frenética de informações - que vão desde a comunicação do valor da arroba na venda para determinado frigorífico até vídeos mostrando estratégias para o manejo do pasto ou do rebanho -, os participantes conseguem aprimorar os ganhos na propriedade, seja por meio de compras coletivas de insumos, com preços melhores, prazos estendidos e a possibilidade de uso do crédito do ICMS como moeda ou com a venda de bovinos em grupo.

“Agora quem pode mais chora menos”, diz Hugo Santana Neto, que desde janeiro de 2016 administra os grupos Boi do Norte e Boi do Norte 1, que têm mais de 170 membros de Rondônia e do Acre, donos de um rebanho de aproximadamente 600.000 cabeças. Para ele, o acesso à informação é a ferramenta mais interessante nestas plataformas. “Quando um criador consegue um valor melhor pela arroba, já comunica os demais. Assim, o pecuarista que tem boi na escala pode negociar o preço da arroba com a indústria ou mandar para a planta que paga melhor”, diz. Em Rondônia, onde o diferencial de base (em relação à praça de São Paulo) está acima de R$ 30, a ferramenta tem ajudado os criadores a buscar outros caminhos para vender seus animais.

A mesma estratégia é usada com o rendimento de carcaça. “Consideramos parceiras as indústrias frigoríficas nas quais percebemos que o rendimento de carcaça está mais próximo de nossa expectativa”, continua Santana Neto. Aquelas plantas em que não há confiança sobre a veracidade da balança vão para o fim da fila e correm o risco de não conseguir animais para completar a escala. O criador Miguel Paulo, que coordena a Turma da @, atualmente com 117 participantes, com rebanho estimado em 800.000 cabeças, em Goiás, salienta a força que os pecuaristas ganharam depois da união por intermédio dos aplicativos. “Antes, a gente entregava o boi para o frigorífico e perguntava quanto ele pagaria. Agora nós é que dizemos quanto queremos receber”, afirma.

Transparência

Cientes dos valores recebidos pela arroba na região, os criadores agora têm base para questionar o indicador boi gordo do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP). “Quando o indicador destoa fortemente, temos condições para pressionar”, explica Caio Junqueira, sócio da corretora Cross, de Presidente Prudente, SP, e membro do GPB e da Agrobrazil. Ele explica que o indicador sempre foi alvo de muitas críticas entre os criadores, que alegam que os valores ali apontados não retratam a realidade.

Nesse sentido, o agente de mercado está coordenando a formação de uma lista de assinaturas para solicitar o acesso às informações coletadas pelo Cepea e organiza uma comissão que vai propor mudanças na metodologia do indicador. “Não duvidamos da idoneidade do Cepea, mas acreditamos que o modelo adotado permite manipulações por parte dos frigoríficos”, diz. Segundo essa suspeita, os frigoríficos teriam como “escolher”, entre os valores pagos no dia, aquele de menor monta, repassando a informação ao Cepea, omitindo, assim, os maiores valores pagos pela arroba do boi.

Ao mesmo tempo, Junqueira conseguiu demonstrar a seus pares que é importante integrar a base de dados do Cepea. “Poucos se dispunham a informar os valores de suas vendas. “Com muita conversa e esclarecimento nos aplicativos, houve um aumento de 5 para 45 pecuaristas que informam o preço das vendas para a entidade.

A formação de indicadores de preços também está no foco dos debates do BeefRadar, grupo formado por 150 pessoas, todos líderes em sua área de atuação “A relação entre pecuaristas e frigoríficos sempre foi polêmica e estamos formando um grupo de trabalho especialmente para estudar os indicadores de preços do boi gordo no Brasil”, afirma o médico veterinário Rodrigo Albuquerque, administrador do grupo, que é composto por criadores, executivos de frigoríficos, traders, varejo e indústria de insumos, representantes de laboratórios de qualidade de carne, universidades, associações de classe e um bom time de analistas de mercado. A primeira reunião física do grupo será realizada em maio deste ano durante o Confinar 2016, em Campo Grande, MS. Segundo Albuquerque, o propósito do fórum é criar um ambiente capaz de reunir todos os elos da cadeia. “Com a plataforma temos uma porta aberta para a produção da carne bovina de qualidade”, entende Albuquerque, informando que o ingresso de novos integrantes está condicionado à avaliação de uma comissão do grupo. “Somente aqueles com perfil de seriedade e liderança são admitidos”, informa.

Novos conhecimentos

Mas nem só de boi gordo e carne vivem os grupos formados por pecuaristas. Em Goiânia, por exemplo, o grupo Agropecuária Goiânia, tem dado prioridade às práticas de integração entre a lavoura e pecuária, graças às características dos 103 integrantes: pecuaristas, agricultores, técnicos e consultores das regiões do Vale do Araguaia, São Patrício, Jataí, em Goiás, e de Rondônia, Minas Gerais e Mato Grosso. “Trocamos dados sobre agricultura e pecuária, o que tem ajudado muitos criadores a adotarem a integração do pasto com a lavoura de grãos”, explica o pecuarista Manoel Vaz, que criou o grupo há três anos. Os integrantes trocam vídeos, fotos e resultados alcançados nas propriedades após a adoção da Integração Lavoura-Pecuária e tratam de temas como o uso de defensivos, novas variedades de grãos e seus resultados e até sobre índices pluviométricos. “São dados que nos ajudam na organização de nossas atividades com menor risco de errar”, comenta.

Formado para a troca de experiência sobre a qualidade e os cuidados para a recuperação e preservação dos pastos, o GPS, Grupo Pastagem Sustentável, administrado pelo engenheiro agrônomo Wagner Pires, especialista da área, agrega mais de 150 pessoas de todo o Brasil. São pesquisadores, zootecnistas, veterinários, estudantes e criadores, interessados em dicas e orientações sobre o manejo das pastagens. “Há muitas dúvidas sobre as variedades de gramíneas e suas características, bem como muitas trocas de ideias e soluções úteis para muitos membros do grupo”, diz Pires, que acrescenta que o produtor assimilou muito bem o uso dos aplicativos, “que devem ser vistos como uma forma de fomentar o entendimento sobre a atividade”.

Eventualmente, o consultor promove pequenas palestras para o grupo, com a postagem de slides e explicações sobre os dados apresentados. “Também realizo enquetes e provoco discussões para saber quais são as reais necessidades do homem no campo”, completa. Pires assegura que o bate-papo virtual não substitui a presença do técnico no campo. “Pelo contrário, por meio desta aproximação, mostramos como é importante a assistência técnica de qualidade para garantir o vigor do pasto”, diz.

Fonte: Revista DBO por Mônica Costa